Governo gasta fortunas com churrascos

Rodrigo Menegat

Nos últimos sete anos, verbas públicas foram usadas para pagar dois churrascos por dia, em média

Desde dezembro de 2009, quando uma relação de todas as compras feitas com cartões de crédito patrocinados pelo Governo Federal foi disponibilizada na internet, foram registrados 4.911 pagamentos em churrascarias.

Ao todo, cerca de R$ 1,2 milhão foi gasto nesses restaurantes, considerando os dados atualizados até julho de 2017. O ritmo dos gastos é, na média, um churrasco a cada dois dias.

Quanto mais alta a chama,
mais caros os preços

No gráfico abaixo, cada compra feita em uma churrascaria é representada por um ponto ( ). Eles ficam mais brilhantes de acordo com a concentração em uma faixa de gastos. Destacamos alguns churrascos especialmente extravagantes, que custaram mais de R$ 6.000.

Maior parte dos gastos vem de órgãos de defesa nacional

A maioria dos gastos veio de servidores do Exército e do Ministério da Defesa. Alguns dos estabelecimentos que mais receberam dinheiro estão localizados perto de rodovias, o que indica que os agentes públicos podem frequentá-los para comer durante viagens feitas a trabalho. Além destes, porém, há vários exemplos de gastos extravagantes.

No caso mais recente, entre os dias 6 e 10 de julho de 2017, servidores do Departamento de Administração Interna do Ministério da Defesa foram três vezes à filial de Brasília da churrascaria Fogo de Chão, conhecida por oferecer carnes especiais, pelo luxo e pelo preço alto. Nesses cinco dias, foram gastos aproximadamente R$ 8.600 reais, o suficiente para que 62 pessoas comessem um rodízio completo no valor de R$ 140.

Em contraste, a renda per-capita mensal média de uma residência brasileira em 2016, de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), era de R$ 1.226 – sete vezes menos do que a quantia gasta pelos agentes do Ministério da Defesa em menos de uma semana.

O próprio IBGE foi responsável por alguns gastos curiosos: entre março de 2014 e março de 2015, uma unidade da instituição fez treze pagamentos para um estabelecimento chamado “Disk-Cerveja”.

13 compras em um “Disk-Cerveja”

Os cartões corporativos do governo, oficialmente chamados de “Cartões de Pagamento do Governo Federal” (CPFG), foram criados para facilitar pagamentos em casos excepcionais ou em emergências, quando seguir o protocolo de compras levaria tempo demais e prejudicaria o funcionamento de um órgão ou agência do Estado. Eles já estiveram no centro de um escândalo que ficou conhecido como “Farra dos Cartões Corporativos”, em 2008, quando funcionários do governo usaram dinheiro público até mesmo para pagar a reforma de uma mesa de sinuca.

Compras que podem ter violado lei estão sob sigilo

Além da natureza questionável de gastos com jantares de luxo e entrega de bebidas, funcionários do setor público que fizeram compras acima de R$ 8.000 para seus órgãos podem estar violando a Lei de Licitações.

De acordo com ela, as aquisições cujos preços ultrapassarem esse limite devem passar por um processo licitatório aberto, em que diversas empresas podem competir para oferecer o melhor preço possível.

Há algumas exceções, como quando um estado de calamidade pública está em vigor ou a aquisição de bens de valor artístico. A compra de “material de uso” para as Forças Armadas também está na lista de isenções, exatamente nesses termos vagos.

Sigilo por razões de “segurança nacional”

Desde 2010, compras que excederam o limite de R$ 8.000 foram feitas 2.297 vezes. Destas, 2.277 estão sob sigilo para “garantir a segurança da sociedade e do Estado”, o que impossibilita saber exatamente qual o destino do dinheiro e quem foi responsável pelos gastos. Das 20 compras cujos detalhes foram divulgados, 17 vieram, novamente, de funcionários do Ministério da Defesa. Os pagamentos foram feitos em lojas de peças automotivas, supermercados, lojas de partes de computador, um provedor de internet e hotéis.

Mais de metade dos gastos não tem transparência

Esses pagamentos moralmente questionáveis podem ser ligados a um problema de falta de transparência. Ainda que todas as compras feitas com os cartões do governo estejam, tecnicamente, disponíveis online, 60% delas são, na prática, impossíveis de rastrear.

Isso acontece porque gastos que somam cerca de R$ 220 milhões foram considerados confidenciais por razões de segurança nacional.

Desse montante, R$ 160 milhões vieram da Polícia Federal, da ABIN (Agência Brasileia de Inteligência), das forças de segurança do Distrito Federal, do Exército, da Aeronáutica e da Receita Federal. O resto vem dos gabinetes da Presidência e Vice-Presidência da República. Esses gabinetes têm 99% e 97% dos seus gastos com o cartão sob sigilo, respectivamente. Além disso, outros R$ 60 milhões foram sacados de caixas eletrônicos, o que também impossibilita saber o destino do dinheiro. Assim, um total de R$ 280 milhões em gastos não é transparente.